Festas Profano-Religiosas

AS JANEIRAS
( Recolha efectuada na freguesia de Silves pela Beatriz Cabrita, Anabela Lourenço e Isabel Luís )

Sr. Hernani Correia Gordinho, 73 anos, casado.

“As Janeiras eram aquelas cantigas que se cantavam em grupos, nas noites de 31 de Dezembro e 6 de Janeiro.
As pessoas juntavam-se, acompanhadas de um “bandolim” ou uma “guitarra” e iam, de porta em porta, cantando alguns versos que se faziam de propósito para essas noites, ou outros que nos ensinavam os nossos pais ou que ouvíamos os nossos avós.
De início era uma brincadeira, um divertimento, que repetíamos todos os anos. Chegávamos a ir para o campo e vínhamos carregados de coisas que as pessoas nos davam: amêndoas, figos, nozes, filhós ou dinheiro, mas não fazíamos por interesse. Era um hábito. Ainda hoje me lembro de uns versos que então cantávamos:

“Na girinho,
na girote,
que é do prato da filhó?...”

Hoje, isto pouco se vê, porque os velhos morrem e os novos pouco se interessam por estas coisas.”

Mas, entre os mais novos, alguns ainda cantam as “Janeiras”, e, outros lembram-se como o faziam quando crianças. Eu, mesma, recordo, saudosa, como era, há trinta e tal anos...
... Jantávamos em casa dos avós paternos. Por volta das 22h00, saíamos, e depois de acordarmos o percurso, o grupo de primos lá seguia rua fora. Frente a uma das casas previamente escolhida, parávamos e batíamos à porta. Uma, duas, três vezes. Então, um dos mais velhos fazia um sinal, e, todo o grupo, quantas vezes desafinado, o que dava azo a algumas discussões, começava a cantar:

“...Senhora dona de casa
deixe-se estar que está bem.
Mande-nos dar a esmola
Pela rosa que aí tem...”

Geralmente, as pessoas que nos conheciam, ofereciam-nos filhós, fritos de batata doce, figos recheados com amêndoas e “estrelas” de figo. Às vezes, davam-nos algum dinheiro com que comprávamos os “pirolitos” ( custavam um tostão cada, ou dois tostões os maiores ) à “Ti” Quitéria. Tinham fama os seus pirolitos!

( Os pirolitos coniformes eram feitos de mel de abelha, com um pauzinho na base para agarrar. Eram muito moles e enrolados em papéis de várias cores. )

Depois de termos recebido os presentes, agradecíamos com a seguinte quadra:

“Agradeço a vossa esmola
dada pela vossa mão.
Na terra terá o pago
e no céu a salvação.”

Percorríamos, então, mais algumas ruas da cidade, repetindo o mesmo canto, de porta em porta.
Por volta da meia noite regressávamos a casa dos avós, felicíssimos, a fim de repartir os presentes e fazer as “queixinhas” dos que se tinham enganado...


Mário Manuel Martins Rebelo, 12 anos.

“Costumo cantar as Janeiras na véspera do dia 31 de Janeiro e nas vésperas dos Reis, portanto, nas noites de 31 de Dezembro e de 5 de Janeiro.
A ideia surgiu-me um dia, numa aula de Português. Estava a “desfolhar” ( folhear ) o livro, encontrei a canção das Janeiras e resolvi decorá-la para a cantar. Foi assim que a ideia me surgiu. Depois falei com um amigo meu, o Bruno que tem 13 anos e perguntei-lhe se ele queria ir comigo.
Isto foi há dois anos.
Então, eu, o Bruno e o meu irmão que tem 7 anos, começámos a cantar as Janeiras, mas, no ano passado, só fui eu e o meu irmão.
Nós costumamos começar a cantar aí por volta das 7.30 ( 19h30 ) até às 11 horas ( 23h00 ). Percorremos as ruas da cidade, paramos junto de uma porta, batemos e perguntamos se podemos cantar. Às vezes as pessoas dizem-nos que não porque têm doentes em casa, e, nós, como não queremos problemas, vamo-nos embora. Batemos a outra porta e quando não nos dizem nada, nós cantamos acompanhados por uns instrumentos feitos por nós. O meu irmão toca uns ferrinhos e eu uma espécie de tambor feito por mim: pego numa lata, tapo a boca com um pano fino e amarro uma corda muito apertada, para esticar e segurar o pano. Depois, com um ferrinho, forrado numa das pontas com um pano para não rasgar o tecido do tambor, toco.
É assim que nós acompanhamos os versos que cantamos:

Um raminho, dois raminhos,
cada ramo, seu enfeite,
viva o dono desta casa
que esta vai em seu respeito.

Um raminho, dois raminhos,
três raminhos em flor,
viva também os seus filhos
que esta vai em seu favor.

A silva que nasce, à porta vai beber,
a cantareira levante-se, ai senhora,
venha-nos dar as Janeiras
em louvor de Deus menino.

Em louvor de Deus menino
venha-nos dar as Janeiras
porque somos de muito longe
não podemos cá voltar.