Festas Populares

O SÃO MARTINHO
( Recolha efectuada na freguesia de Silves pela Beatriz Cabrita, Anabela Lourenço e Isabel Luís)

Sr. Hernani Correia Gordinho, 73 anos, casado.


“…Ainda me lembro muito bem das festas do S. Martinho, embora nessa altura eu fosse muito miúdo. O último a que assisti, deveria ter aí, no máximo, os meus dez anos.
Havia uma Comissão Organizadora das Festas que se cotizava para comprar o vinho novo, e, isto era feito todos os anos.
Na véspera do S. Martinho, no dia 11 de Novembro, ao cair da tarde, reuniam-se todos no Largo dos Mártires. Organizavam um cortejo, muito bem ordenado, formado por homens e por mulheres… O engraçado estava precisamente aí. No cortejo, tanto se incorporavam homens como mulheres.
Era uma festa popular, de características bem populares, sobretudo, para aqueles que mais gostavam de beber.
As pessoas que seguiam no cortejo, levavam archotes acesos, e ladeavam uma padiola de madeira, onde transportavam uma pipa de vinho, um barril de 50 ou 100 litros.
Era a altura de provar o vinho novo, e, o dia 11 de Novembro era, por excelência, o dia dessa prova.
Ora, como eu ia dizendo, em cima da padiola e em cima do barril, seguia o homem mais influente dos festejos de S. Martinho, o José Jóia, que, ao longo do percurso, ia convidando “Os Irmãos” – era assim que eles se tratavam uns aos outros, por “Irmãos ou Manos da Confraria do Vinho” – a beber. Ele próprio, de vez em quando, abria a torneira do barril, vertia vinho para um jarro de barro e bebia. Nunca tinha o jarro vazio.
O cortejo – na altura em que eu assisti já não era acompanhado de música, porque as duas bandas que havia em Silves, a banda Moleira da família Mascarenhas, regeneradora, e, a banda Fralda da família Gomes Vilarinho, progressista, já se tinham dissolvido – enquanto percorria as principais ruas da cidade, ia sempre cantando cantigas alusivas ao vinho:
“Era o vinho, meu bem,
era o vinho,
era o vinho que eu mais adorava,
só por morte, meu bem,
só por morte,
só por morte eu o vinho deixava”.
De vez em quando, paravam e pediam às pessoas para que não comessem uvas porque estas faziam falta ao vinho do ano seguinte, e, se as comessem, depois não poderiam beber.
Havia, nessa altura, duas mulheres muito conhecidas em Silves por gostarem da “pinguinha”, cujas portas eram paragem obrigatória do cortejo. Então, o José Jóia cantava:
“Ó mana, ó mana,
não comas as uvas,
bebe antes o nosso vinho…”
O cortejo, sempre muito bem organizado, e, com os archotes acesos – usavam uns paus de madeira com uma das pontas forrada em pano embebido em óleo – passava junto ao cais, dava a volta à cidade e regressava ao Largo dos Mártires, onde se seguia um grande discurso sobre o vinho. Geralmente, começava assim:
“Maldita sejas tu que comes uvas, porque por tua culpa, para o ano, não teremos vinho…”, e continuava com comentários, sempre desta natureza:
“ó mano, ó mana,
o sangue do nosso suor,
o sangue puro da uva,
está aqui para se beber…”
O vinho novo, utilizado nos festejos do S. Martinho, em Silves, era colhido e tratado na região – Areias, Lobito e Lagoa – e todos os anos, e, nestes mesmos moldes, repetia-se.
Depois, talvez porque os elementos da Comissão Organizadora foram morrendo, ou porque deixaram de angariar os fundos necessários para a festa, esta desapareceu. Isto há, aproximadamente, uns sessenta anos.
Aliás, no outro dia, falando com um Senhor ainda mais velho do que eu, e, recordando, precisamente, os festejos de S. Martinho, verifiquei que as minhas lembranças coincidiam com as dele. O S. Martinho de Silves sempre se festejou desta maneira. Era um costume já antigo, uma tradição que vinha de muitos anos, mesmo de há muitos anos e que se perdeu. No entanto, era uma festa muito interessante e muito bem organizada…”

O S. MARTINHO
(Recolha efectuada na freguesia de S. Bartolomeu de Messines pela Luísa Conduto, Paula Vasconcelos e Rui Cuiça)

Srª Dª Teresa dos Santos Elias, 78 anos, viúva.

“…Olhem! Que eu me lembre, o S. Martinho, aqui em Messines, não era tão festejado pela população ( em conjunto ) como acontecia, por exemplo, com o Carnaval, mas apesar disso, não se deixava de festejar.
Comemorava-se em cada casa, em família, acompanhados pelos restantes parentes.
O meu pai – que Deus tem! – por exemplo, comprava uns quilos de castanhas e convidava os meus tios e primos para, na noite de S. Martinho, irem lá a casa, uma vez que era noite de festa.
Nessa noite era costume fazer-se um grande magusto. Se o tempo estivesse bom, fazíamo-lo na rua; se estivesse mau, acendíamos um fogo no chão de uma casa velha que tínhamos.
Entretanto, e, logo na tarde de S. Martinho, o meu pai pegava no carrinho de mão e dava uma volta pelo campo à procura de uns bons madeiros e de uma boa lenha para fazer o fogo dessa noite.
Depois do jantar, lá por volta das oito ou nove horas, o meu pai punha a lenha no fogo e fazia-o bem grande. Deixava-o arder. Mais tarde, aproveitava o braseiro para assar as castanhas.
O dia de S. Martinho era conhecido pelo dia de assar castanhas e da prova do vinho novo.
Naquele tempo, toda a gente tinha, durante o ano, vinho em casa, porque toda a gente o fazia. Então, no dia de S. Martinho, todos iam às suas pipas e tiravam uns belos jarros de vinho novo que traziam para casa, onde já se encontravam as castanhas a assar.
Era, então, que começava verdadeiramente a festa. O meu pai que tocava muito bem flauta, para acompanhar a prova do vinho novo e das castanhas, tocava as suas modas, e, toda a gente da família que se encontrava lá em casa, dançava à volta da mesa, festejando com grande entusiasmo e alegria o S. Martinho.
Esta festa acabava, quase sempre, por se prolongar pela madrugada fora, o que dava azo a que as mulheres fossem para a cama, enquanto os homens, como o meu pai e os meus tios, ficassem, toda a noite, conversando, bebendo e comendo castanhas.
Actualmente, as famílias que antes festejavam o S. Martinho já não o fazem e, em minha casa, desde que o meu pai morreu e os meus irmãos partiram, o S. Martinho deixou de se festejar…”