Festas Populares

A MORTE DO PORCO
( “A Morte de Pórque”, na zona da beira-serra, da freguesia de Silves. Adaptação )

“… Na típica casa algarvia, onde o sossego paira e só se ouve o cantar dos pássaros ao romper da aurora, ou o galo que dá os últimos cantos da madrugada, hoje, o cenário é diferente, porque já todo o pessoal está levantado e prepara as coisas para a matança, pois a lua é propícia.
Com a chegada dos convidados e dos vizinhos dos montes próximos, os cães ladram, em sinal de boas vindas.
Como é da tradição, os homens vestem uma roupa mais usada, enquanto as mulheres preparam o tacho de arame, deitando-lhe vinagre, alhos, sal, e, ainda o “colherão” para mexer o sangue que irá “aparelhar” após a facada que o matador, com mão ágil e experiente, “atenchará” no coração do porco.
Tudo a postos, só o matador falta. Aguardam e, finalmente, ele aparece bem disposto e fanfarrão. Todos riem e logo o dono da casa grita para a sua Maria ir buscar o garrafão da melhor aguardente de medronho, com uns figos cheios de recheio de amêndoas ou empanadilhas, para matar o bicho matinal e dar calor e boa disposição. Depois do cálice correr todos, dá segunda e terceira rodada, que ninguém rejeita, porque todos são fortes e nenhum quer ficar para trás.
O matador acha que já chega e grita: “Vamos a ele!”.
Lá vão a correr para o pocilgo, abrem a porta e dois homens entram para empurrar o gordo e pesado bicho para fora.
Com insistência, sai contrariado, e assim que a última pata deixa a porta, é imediatamente agarrado, ficando quatro homens a segurar as patas, e um o focinho, que ata com um cordel forte, para evitar alguma dentada. O animal é colocado de patas para o ar, em cima de um poial de pedra, para que se possa aparar o sangue.
O matador, mais uma vez, sendo a pessoa mais célebre da cena, com fanfarronice, mata o animal de um só golpe.
Quando o sangue começa a jorrar, uma mulher vai aparando com um pouco de vinagre para não coalhar, enquanto outra, com colherão de pau, o vai mexendo.
Munidos de forquilhas com tojos a arder, os homens chamuscam as cerdas do porco, após o que começam a raspar a pele com a ajuda de facas e água fria.
Mas, a principal operação é a abertura do corpo. Todos querem ver e a repetição da frase, “se queres ver o teu corpo abre um porco”, começa a circular de boca em boca, mostrando uns aos outros que conhecem o velho ditado.
Então, o matador começa o corte através do ventre do animal até ficar com o interior à vista. Ouvem-se as mais diversas opiniões, “tem uma boa altura de toucinho”, “tem uma boa bexiga para encher”, “tem boa tripa para chouriças”, etc., etc..
O fígado, a que juntam o bofe, é a primeira víscera a ser extraída, porque a célebre jantarada da cachola é um dos principais objectivos de muitos dos que foram ajudar.
Entretanto, o porco foi escalado e as metades pesadas, para ver quantas arrobas têm, e, assim, comparar com os outros anos.

Um enorme caixote de madeira com sal é preparado para guardar e conservar a carne durante o ano. Também há quem retire uma das pernas para fazer o célebre presunto.
As mulheres, quando as tripas estão preparadas para a lavagem, cobertas com panos por causa das vespas e das moscas, mandam os moços apanhar varas para as voltar, e, lá caminham para a ribeira mais próxima, para a necessária operação. Onde há a maior corrente e água mais límpida, é o lugar mais propício para lavar as tripas e o bucho, com rodelas de limão e ramos de salsa.
Regressadas, já o restante pessoal tem tudo preparado para a adiafa, a tão desejada e apetitosa cachola ou “canchofona”, seguida da “couve”, cozido típico confeccionado com couve e carne de porco conservada em sal, e, que era matança do ano anterior, facto que é sinal de abastança e “bom governo”. Diz-se que numa casa com bom “derijo”, um porco chega a outro.
O ambiente é de festa.
Todos contam histórias e anedotas quase sempre ligadas a matanças anteriores, e o alvo do prestígio, mais uma vez, o matador, é, na realidade a figura de relevo.
Comem e bebem em bom ambiente algarvio.
Terminada a jantarada e já esgotados os repertórios, quando a noite já vai longa, aquele pessoal despede-se, com agradecimentos mútuos, uns pelos convites, outros pelas ajudas, e exclamam: “Vamos deitar uma saúde!”.

Então, em conjunto, homens e mulheres cantam:
Vou beber este copinho
à saúde do mé compadre
dés lhe dê munta saúde
e mai lá nha comadre.

À saúde dos compadres
dizes tu e com razão
é só ma vez no ano
que temos esta “função”.

Dizes tu e com razão
qu’isto é ma casa forte
‘stamos aqui todos juntos
nesta rica “morte de pórque”.