Festas Populares

O ENTRUDO
( Recolha efectuada na freguesia de Silves pela beatriz Cabrita, Anabela Lourenço e Isabel Luís )

Sr. Hernani Correia Gordinho, 73 anos, casado.

“O Carnaval da minha juventude era muito diferente de hoje.
Olhando para o passado, hoje, praticamente não há Carnaval. O Carnaval de antigamente era mais comunicativo, mais alegre. Via-se Carnaval por todas as ruas. Hoje não. Hoje só se vê nas boites, nas discotecas, nos salões, nas sociedades, e, mesmo assim, já se vê pouco.
Aqui na nossa cidade, está reduzido a uma só Sociedade que é a “Música” ( Sociedade Filarmónica Silvense ). Esta ainda faz qualquer coisa, mas pouco.
Quando eu era jovem, havia aquelas grandes batalhas que consistiam no seguinte: - naquele tempo havia carros de machos, mulas e cavalos em que se juntava um grupo num, outro noutro e outro ainda no outro. Faziam-se três ou quatro quadrigas. Arranjavam-se sabugos de milho e caixas de fósforos que revestíamos com papel e enchíamos de cré, farinha ou areia. No entanto, o que era mais usado era o cré.
O cré é aquele material ( o pó ) com que se faz a massa de vidro. Com este pó enchíamos os saquinhos que constituíam as nossas “ferramentas”, as nossas “armas” de Carnaval.
Era uma alegria.
As raparigas, geralmente, punham-se à janela. Como algumas moravam no 1º ou no 2º andar, não se podia lá chegar. Então, a vingança e a nossa defesa eram aqueles sacos de cré.
Rebentávamos os sacos e depois atirávamos. Se tivéssemos a sorte de bater-lhes na cara, elas ficavam todas cheias de cré. Por seu lado, elas usavam pomada ou graxa preta que eram muito usadas na tropa.
Nós esfregávamos limões à espera do assalto. Nesses assaltos, às vezes partíamos portas, janelas ou vidros, e, chegávamos a ficar magoados, mas era sempre a brincar.
As raparigas juntavam-se 4 ou 5, nas janelas, e começavam a fazer “arrenegas” para nos provocar. Nós, então, fugíamos pelos telhados e era um “pagode”.

- Antigamente era costume enterrar-se o “entrudo” ou a “viúva”.
O Sr. lembra-se disso?

“Se me lembro. Ainda fiz parte de dois, se não estou em erro. Era um enterro simbólico. Juntavam-se todos, havia um que fazia de “morto” e que era colocado num “pangaio”, e, uns atrás dos outros, íamos percorrendo a cidade. Havia pessoas que tinham jeito para fazer versos que depois eram declamados e havia um que cantava.
Outrora dava-se ao Carnaval o nome de Entrudo e, no último dia, fazia-se o enterro. Era uma festa!
Também se faziam “assaltos”. Havia um que era para arranjar “a cabeça do gado”. Naquele tempo havia pouca carne. Só se comia carne de aves e, mesmo esta, só em dias de festa. Como havia pessoas que faziam criação e os outros sabiam, iam “assaltar” as capoeiras, mas tudo em bem, ninguém se zangava, porque era Carnaval.
Aproximadamente um mês antes começavam as máscaras. No sábado, domingo, segunda e terça de carnaval, havia muitos bailes.
Ao princípio, eu ainda dancei com Senhoras de “vestidos rojeiros”. Nós usávamos um lenço na mão direita, por causa do suor.
Como as raparigas usavam uns grandes decotes, nas costas, o contacto da nossa mão, com as costas delas, fazia-nos suar. Mas, nessa altura, não era toda a gente que usava “vestidos rojeiros”.
Nós usávamos calças às riscas que se chamavam calças de fantasia, casaco preto, laço ou gravata, e, íamos de cara destapada. Mas, nas noites que antecediam o Carnaval íamos todos mascarados.
Os homens vestiam-se de mulheres e as mulheres de homens.
O mais interessante era a “intriga”. Quem é, quem não é?
Como estavam todos mascarados, as vozes e o andar disfarçados, era difícil saber quem era aquela pessoa que nos conhecia, que nos contava coisas da nossa vida particular ou uma piada. Era uma brincadeira, mas respeitosa. E, as partidas que pregávamos!
Olhe, uma delas era a do “bilhetinho”.
Chegava alguém com um bilhetinho e dizia: - ó Maria. Manda isto ou aquilo que o teu marido pediu para vir buscar.
Quando o marido chegava a casa a mulher perguntava-lhe: para que querias tu o que mandaste buscar?
-Ó mulher, mas o que estás tu para aí a dizer? Tu não estás boa da cabeça! – respondia-lhe o marido.
Só nessa altura é que as pessoas viam que tinha sido uma brincadeira e corriam a cidade à procura dos seus autores, mas era muito raro descobrirem. E, às vezes, sem desconfiarem de nada, chegavam a convidá-los para jantar em suas casas. Mas, quando desconfiavam, convidavam-nas e ofereciam-lhes gatos, ouriços e outras “iguarias” semelhantes.”

- Sobre as danças. Hoje a música mais tocada e dançada é a brasileira. No seu
tempo também era assim?

“Não. Havia um sambinha ou outro, mas coisa pouca. Era tudo português, ou quase. Havia a valsa, o tango, o folk, o célebre corridinho, as marchas, o passe-doble e o maxixe.
Era o tempo do “mestre sala” que era um senhor contratado que nos ensinava a dançar.
Costumavámo-nos encontrar no Silves. Então, havia um, “o ceguinho”, que tocava piano e nós dançávamos uns com os outros sob as ordens do “mestre sala”. Quando nos enganávamos, ele obrigava-nos a repetir os passos. Era assim que aprendíamos a dançar.
O maxixe era uma dança parecida com o tango, muito em voga na altura.

Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Frederico de Freitas dá-nos a seguinte descrição de maxixe:
Dança urbana, oriunda da cidade do Rio de Janeiro, onde apareceu pela 2ª metade do séc. XIX. Mais tarde, por volta de 1911-13, faz furor em Paris, Lisboa, etc., dançando-se em salas, teatros, cabarets, com um comportamento um tanto sensual, e, tendo na raiz um certo tropicalismo exótico e negróide. Caracteriza-se pela violência do ritmo, assemelhando-se ao samba, ao tango e à moderna polca.
Não se sabe o porquê da sua designação, e, em 1846-1935, Chiquinha Gonzaga, a conhecida compositora brasileira de maxixe, divulga-o em obras de invulgar expansão”.