Festas Populares

O Teatro
( Recolha efectuada na freguesia de Silves pela Beatriz Cabrita, Anabela Lourenço e Isabel Luís)

Sr. Hernani Correia Gordinho, 73 anos, casado.

“… Naquele tempo notava-se um entusiasmo maior, muito mais interesse pelo teatro.
Sabem, Silves sempre teve tradições de teatro. Desde muito cedo. Havia pessoas verdadeiramente entusiastas que ao longo dos anos foram mantendo esta tradição. Nem sempre foi fácil. Aí por volta de 1947, por causa da Censura, o teatro decaiu porque certas verdades não podiam ser ditas. Nós não podíamos dizer o que queríamos. Fazíamos um teatro de miúdos e, era eu ainda miúdo, lembro-me de assistir a uma Récita que me impressionou muito na Cooperativa Operária. Marcou-me muito, gostei muito. Tinha uma música muito bonita, não me lembro da letra, mas lembro-me que a música era muito bonita.
Depois havia também o teatro que era feito pelos alunos da Escola Técnica de Silves, as Récitas.
Havia o Silves Futebol Clube que, nesse tempo, era muito dado a coisas de Cultura – “até tinha um Orfeão” – e onde também fazíamos teatro, e, o Teatro Mascarenhas Gregório onde também representámos, mas, numa fase posterior.
O teatro que se fazia em Silves era um teatro amador, feito por amadores, por verdadeiros entusiastas.
Em 1942, ano em que vim de Lisboa, eu, o Teodoro Fortes, e mais um grupo de rapazes que agora não me lembro o nome, formámos um grupo de teatro. Mandávamos vir algumas peças das livrarias de Lisboa. Com elas fazíamos alguns monólogos, umas canções e uns duetos. Depois, fazíamos uma sequência de textos e representávamos.
Geralmente, e, como intróito, apresentávamos uma canção, um fado. Depois representávamos um pequeno drama ou uma comédia, com frases feitas por nós, das peças que tínhamos mandado vir. No final, apresentávamos um pequeno número de variedades. Isto era muito interessante. Era na sede do Silves Futebol Clube que ensaiávamos.
Tínhamos uma pequena orquestra para nos acompanhar musicalmente. Era formada por uns dez, onze elementos. Era sempre ela que começava os espectáculos, acompanhava as canções e a actuação do Orfeão.
Não fazíamos nada político, mas, nem por isso deixámos de ter os nossos aborrecimentos. Até houve um Tenente ( “Martins” ) que, certa vez, censurou-nos um espectáculo. Não queria deixar-nos actuar porque dizia que o Silves era político. Nessa altura, o Alfredo Garcia ( “O Cavaleiro da Lua”, como era conhecido ) que o conhecia, foi falar com ele e dizer-lhe que a Revista – era este o tipo de teatro que fazíamos – era uma brincadeira sem ofensas, sem maldade e sem política, Se ele não acreditava que fosse ver. E ele foi! Então, reconheceu o erro, mas, como o tinham “informado” mal, só quando viu é que acreditou.
Depois fui-me embora, e, a pouco e pouco, este Grupo de Teatro do Silves Futebol Clube foi desaparecendo.
Começaram, entretanto, a fazer as Récitas ( tipo Revista ) no Teatro Mascarenhas Gregório.
As ideias eram do Prof. Samora Barros que também fazia os cenários e do Zé Sottomayor que era um rapaz com muito jeito.
Os originais das peças e das canções eram feitos pelo João Braz, sempre alusivos a figuras típicas de Silves e aos factos sociais e mundanos da nossa cidade.
Em 1954, quando regressei, de novo, a Silves, quis retomar a minha actividade no teatro.
Nessa altura, e sempre com o meu desejo de colaborar, fizemos uma Revista ensaiada pelo Dr. Mário Ramires e o sucesso foi tal que até fomos representar a Portimão.
Ainda fizemos outra, “Dormir sem Ressonar” ou “Ressonar sem Dormir” ,e, depois parámos.
Mas as pessoas eram muito diferentes.
Antigamente, quando se fazia um espectáculo, as casa estavam sempre cheias, havia mais gosto pelo teatro. Hoje, quando se faz uma peça, as pessoas vão ao primeiro espectáculo e poucas… Dá-se o segundo, e, ao terceiro já ninguém aparece.
Por curiosidade até posso contar-vos o que aconteceu com o Dr. Coroa ( era de Faro, mas já morreu ). O Senhor, com o Grupo dele, veio fazer um espectáculo à Sociedade Filarmónica Silvense. No máximo, estava meia dúzia de pessoas a assistir, mas mesmo assim ele fez o espectáculo.
Connosco já aconteceu pior. Uma noite devíamos estrear uma nova peça ( O Grupo de Teatro “O Gruta” ). Não estava ninguém… Eu vim ao palco, olhei para a plateia e disse:
“- Exmas Senhoras Cadeiras, vamos dar início ao espectáculo… E, fizemo-lo!
O Grupo de Teatro “O Gruta” formou-se em 1981. Quem está à sua frente é a Srª Drª Maria Luísa Anselmo. Uma grande entusiasta. Às vezes até demais. Temos corrido não só todo o nosso Concelho, como temos ido a Loulé, Faro, Alte, Lagoa, Portimão, Olhão e Lisboa, onde somos, sempre, muito bem recebidos.
O Grupo é composto por dezoito elementos. As raparigas são oito. O elemento mais novo é uma miúda, uma revelação, que tem oito anos, e, o mais velho ( “não é preciso dizer!” ) sou eu. Temos representado muitas peças, mas agora temos em cena uma peça infantil e o “Homem Anónimo Português”.
Primeiro, esta peça chamava-se “Homem Anónimo Português, de seu nome Hernani Gordinho”. Foi a maneira de comemorar os meus sessenta anos de teatro. Foi uma homenagem que me fizeram. Mais tarde, retirou-se do nome da peça “de seu nome Hernani Gordinho”, porque ao fim e ao cabo, a peça é uma homenagem a qualquer homem. É o homem anónimo português que pretendemos homenagear.
Muitas das peças que representamos são escritas pela Drª Maria Luísa, mas todas são ensaiadas por ela.
As próprias peças, hoje, são outras.
Eu sou franco. Gostava mais do teatro antigamente. Se disser o contrário estou a mentir. É certo que o teatro agora tem mais mensagem. Também joga mais com a expressão corporal. Antigamente, nós estávamos limitados a um argumento de que não podíamos fugir, mas a representação pedia mais do autor. Nós tínhamos, num gesto ou numa expressão, que traduzir um sentimento, e, as regras de estar num palco eram mais rígidas, mais respeitadas. Havia mais representação. É certo que havia menos liberdade de expressão, mas eu penso que, muitas vezes, a liberdade de expressão tira muito à figuração, à caracterização da figura…”

( Em 1999, no Grupo de Teatro “O Gruta”, à Drª Maria Luísa sucedeu, na escolha do repertório e encenação, a Drª Ana Luísa, e, o Sr. Hernani Gordinho “reformou-se”(?) definitivamente. )

Srª Dª Maria Vícia Pontes, 64 anos, viúva.

“… Recordo-me do teatro do meu tempo e tenho grandes saudades. Hoje, praticamente, não sei nada do teatro que se faz em Silves.
Geralmente não representávamos nenhuma peça. Fazíamos um género de Revista onde eram focados os pontos, as coisas e as pessoas típicas de Silves. Era um grupo de amadores, muito engraçado, que, todos os anos, e, várias vezes ao ano, se juntava para fazer teatro.
Os textos eram, quase sempre, escritos pelo poeta João Braz. A encenação tanto era do Prof. Samora Barros, como do José Sottomayor, duas pessoas que, realmente, tinham muito jeito. A representação era feita por nós, rapazes e raparigas. Chegámos a actuar três noites seguidas, tal era o entusiasmo e a aderência das pessoas.
Os espectáculos eram dados no Teatro Mascarenhas Gregório, onde hoje é a Sociedade Filarmónica Silvense. As receitas eram geralmente para o Hospital e para o Asilo.
Nas nossas récitas aproveitávamos certas figuras típicas da cidade. Por exemplo, havia duas mulheres que, a troco de algumas quantias, faziam compras e recados. Eram figuras muito típicas, sobretudo porque gostavam muito de beber, que eram aproveitadas para o espectáculo. Também me recordo de duas outras figuras masculinas, igualmente, amigas do vinho que, quando estavam bêbadas, tinham diálogos muito engraçados. Também havia um cobrador da Câmara, uma figura muito engraçada, muito típica mesmo. O Mercado Regional ( ver p. ) também servia de inspiração.
Pois bem, as duas mulheres, os dois bêbados ( “O Corcunda e o Calula” ), o cobrador da Câmara, o mercado regional eram figuras e motivos aproveitados para as nossas Récitas.
As músicas que cantávamos eram muitas vezes feitas de propósito para as representações. Havia até uma letra muito engraçada, feita mesmo a Silves, mas que não me recordo. Costumávamos aproveitar as músicas em voga e introduzir-lhes letras, feitas quase sempre pelo João Braz, alusivas a Silves.
Hoje não posso estabelecer comparações, porque conheço mal a vida da actual juventude, mas, naquele tempo, havia um grupo de rapazes e raparigas, e mesmo pessoas já casadas, que colaboravam muito nestas coisas. Nós convivíamos muito. Nos bailes. Nas festas de Carnaval. Nas Récitas e nas Cégadas…”