Festas Religiosas

A PÁSCOA
( Recolha efectuada na freguesia de Silves pela Beatriz Cabrita, Anabela Lourenço e Isabel Luís )

Sr. Hernani Correia Gordinho, 73 anos, casado

“A Páscoa era diferente. Era vivida de outro modo. Na quarta-feira de cinzas ( dia a seguir à terça-feira de Carnaval ) começava a Quaresma e as pessoas deixavam de comer carne. Só se podia comer se se tivesse a bula, mas às sextas-feiras, com bula ou sem ela, não se podia comer.
As procissões eram diferentes e começavam no Domingo de Passos.
Nos dias de procissão, na rua e em frente da Igreja, as pessoas armavam os tabuleiros e vendiam amêndoas, amendoins, rebuçados e pirolitos.
As ruas da cidade, por onde a procissão passava, estavam cheias de “rasmono” ( ramos de rosmaninho, branco e roxo ) e as sacadas e algumas janelas das casas eram cobertas com colchas.
As pessoas que iam nas procissões ( “era tudo gente fina – hoje já não se vê – aquilo era tudo de respeito” ) usavam uma opa em cima do fato. A opa era uma espécie de casaco de pano muito fino, roxa, cor de rosa ou branca.
Na quinta-feira, antes do Domingo de Páscoa, havia a cerimónia do “lava-pés”. Nesse dia, o Sr. Prior lavava os pés das pessoas mais humildes da cidade.
O Domingo de Páscoa era guardado para se visitar as pessoas amigas e a família. Os homens vestiam calça de fantasia, casaco preto e gravata ou laço vermelho ( “na sexta-feira santa, o laço ou a gravata eram sempre pretos” ). Juntavam-se, então, três ou quatro famílias e comiam carne, porque durante a Quaresma só podia comer carne quem tivesse comprado a bula.
Depois do jantar, dançava-se pela noite fora, porque sempre havia um ou outro que tocava bandolim, acordeão, harmónica ou outra coisa qualquer.”
Os Contratos
Sr. Hernani Correia Gordinho, 73 anos, casado.

“Os contratos eram um costume antigo e eram celebrados entre os rapazes, entre as raparigas, ou entre os rapazes e as raparigas, no domingo de Ramos.
Pegávamos nas folhas das palmeiras, uma, duas, as que calhavam, e, abríamos ao meio, fazendo de cada, duas tiras. Então, juntavam-se quatro ou cinco tiras e entrançavam-se. Cada um segurava a sua “trança” e estendia-a a quem queria que fosse seu “compadre” ou “comadre”. Esse ou essa tirava a sua tira... Eu ficava com uma, outro ficava com outra, e, era assim.
Enquanto se desentrançava, os futuros “compadres” tinham que dizer ao mesmo tempo:

“Compadres, compadres,
compadres seremos,
no sábado de aleluia
desmancharemos”.

A partir desse momento, passávamos a ser compadres e comadres e, só no ano seguinte, no sábado de aleluia ( que é o dia antes do domingo de Páscoa ) é que se desmanchava o contrato.
Durante o ano, sempre que nos encontrávamos, cumprimentávamo-nos assim: “Olá compadre! Olá comadre!”... e, ser compadre e comadre era, para nós, uma grande prova de amizade.
Era raro o rapaz e a rapariga que não fazia os seus contratos com os amigos. Era uma tradição muito antiga, entre os miúdos, no período da Páscoa, mas que agora pouco se vê. São outros tempos, eu sei, mas faz pena que estes costumes se percam...”

Srª Dª Maria Vícia Pontes, 64 anos, viúva.

“Só na parte religiosa, realmente, é que eu acho que há diferenças no modo como, hoje, se vive o período da Páscoa.
As cerimónias da Semana Santa, a que se dava o nome de “Endoenças”, eram muito diferentes. Havia um maior respeito no modo como as coisas se processavam. Todo o ritual era outro. Por exemplo, havia o período das “trevas” que começava na 4ª feira santa e ia até ao sábado ao meio dia, altura das Aleluias ( hoje as aleluias são à meia noite ).
O respeito era tanto que, a partir do meio dia de quinta-feira, todas as pessoas deixavam de trabalhar – não se cavava a terra, não se lavava, não se cultivava, e, as pessoas vestiam-se quase sempre de preto. Era respeitada a semana de luto.
Também há uma coisa que hoje pouco se cumpre, e, se se faz, faz-se de modo diferente. É o jejum.
As pessoas jejuavam. Eu recordo-me da minha mãe jejuar a pão e água. Era, realmente, um grande sacrifício... Pela manhã, ou seja, ao pequeno almoço, as pessoas comiam um bocadinho de pão seco e bebiam um copo de água. Ao meio dia ( almoço ) e à noite, não passavam disto.
Outras pessoas, por exemplo, almoçavam bem, na quinta-feira santa, geralmente, bacalhau com batatas e grão, e, só voltavam a comer, de novo, na sexta-feira, depois do meio dia. Jejuavam 12 horas. Era realmente um grande sacrifício, mas que as pessoas faziam com muita fé e devoção...
Durante a Quaresma, sobretudo durante a semana santa, as pessoas não comiam carne, e, se o queriam fazer, tinham que comprar a bula para estar isentas, mas, na quarta, quinta e sexta feiras santas, ninguém ( isto é, as pessoas que tinham fé ) comia qualquer tipo de carne. No sábado, como as aleluias eram ao meio dia, já se podia comer. Agora não, porque as aleluias só são à meia noite.
Mas já então ( tradição, felizmente, que ainda se mantém ) comia-se, durante o período da Páscoa, o folar, espécie de pão doce, que se enfeitava com um ovo cozido ,ao centro, ou com amêndoas descascadas.

( Não se sabe, ao certo, donde vem esta tradição dos folares da Páscoa.
No entanto, e, curiosamente, encontrei no IV Volume das “Lendas de Portugal”, de Gentil Marques, uma lenda tradicional sobre o folar da Páscoa que não resisto a invocar.
Assim, no Capítulo das Lendas do presente trabalho, apresento-a como explicação popular desta tradição. )

No domingo de Páscoa, ninguém comia ave ou animal de penas. E ninguém comia, porque enquanto Pedro negou, por três vezes, Cristo, um galo cantou... Hoje, ainda há algumas pessoas, mais idosas, que respeitam esta tradição.
Geralmente, comia-se ( ou come-se ) o cabrito assado, que é o prato da Páscoa, e, é o cabrito porque, quando o Senhor partiu para o Egipto, pediu que lhe levassem cabritos.
Hoje, já é diferente, mas, antigamente, era muito respeitado, e, em minha casa, sempre foi assim...
Mas voltemos às cerimónias da semana santa ( as Endoenças ).
Até a nossa Igreja era diferente. Nessa altura, tinha muita talha dourada e durante o “período das trevas” os altares estavam todos tapados.

Na quarta feira santa, havia a narração da paixão do Senhor.
Na quinta feira, dia em que começavam as cerimónias mais importantes, desnudavam-se os altares, em sinal de luto, os sinos da Sé eram presos e todas as campaínhas se silenciavam. Eram as trevas.
Havia, durante a tarde, a cerimónia do lava pés em que o Sr. Prior, em sinal de penitência, reunia os mais humildes da cidade, e, como Cristo fizera, publicamente, lavava-lhes os pés.
Na sexta feira havia a via sacra que, antigamente, era feita pelas ruas da cidade, e, a adoração da cruz. Às três da tarde, hora em que Cristo morreu, toda a gente guardava três minutos de silêncio. À noite, havia a procissão do enterro.
Durante o dia de sábado, ao meio dia, havia as aleluias: soltavam-se os sinos, descobriam-se os altares, acendiam-se todas as luzes da Sé e tocavam-se as campaínhas. À tarde, havia a benção do lume, do incenso, do círio pascal, dos santos óleos e da água que eram utilizados, ao longo do ano, nas cerimónias do baptismo e da extrema unção.
Como atrás referi, a estas cerimónias chamavam-se as Endoenças. Não eram celebradas em todas as terras, porque tornavam-se muito dispendiosas. Sei que se realizavam em Faro e em Silves.
Eram precisos não sei quantos pares e quantos círios com 14 velas cada um. Acendiam-se as velas e recitavam-se os cânticos em latim. No final de cada cântico, apagava-se uma vela, e assim sucessivamente. Eram realmente cerimónias muito bonitas, mas muito demoradas e caras, razão porque nem todas as paróquias as realizavam.
Quanto às procissões, a mais importante que se fazia, em Silves ( e que ainda continua ), era a de Nosso Senhor dos Passos. Era uma tradição tão respeitada que até se costumava dizer Passos em Silves, Ramos em Tavira e Endoenças em Sevilha. Eram procissões de tamanho brilho que, realmente, as pessoas tinham orgulho nas mesmas, e, só para vos dar um exemplo do esplendor da festa, posso-vos contar que, no tempo do Conde de Silves, era ele que levava o pendão. Nas borlas iam as pessoas mais importantes da terra, todos vestidos de casaca, luva branca e chapéu alto. Os restantes acompanhantes também iam vestidos a rigor.
Acho que a tradição das procissões é uma coisa que não se devia perder, até porque as pessoas têm as suas devoções e as nossas procissões são realmente muito bonitas.”